quinta-feira


"Kazuo Ishiguro nasceu em Nagasaki em 1954 e veio para Inglaterra em 1960.
Tendo ganho o prémio Whitebread Book of the Year com este romance, veio a ser contemplado em 1989 com o Booker Prize, um dos mais conceituados prémios literários britânicos.
Um artista do Mundo Transitório é uma obra requintada e subtil, visão retrospectiva de uma vida onde se confrontam com delicada lucidez a ambição e a integridade, a arte e a política, o passado e o presente."
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Este livro é simplesmente o 'diário verbal' da personagem principal - Masuji Ono. Um artista deste mundo eternamente transitório, deste presente sempre fugaz e de um passado sempre presente.
Ono começa por desabafar o seu relacionamento com as duas filhas, uma delas casada, com um filho que o avô tenta se ligar emocionalmente apesar de o neto só o ir visitar uma vez por ano, e cujo marido, apesar de nunca 'entrar' em cena, está sempre presente nas acções e palavras da esposa. A outra filha encontra-se numa situação difícil, pois pretende arranjar um marido e o pós-guerra em que vivem apenas dificulta este propósito.
É um livro agradável de se ler. Fiquei com a sensação de ser uma leitura 'leve' ao olhar mais distraído mas com uma riqueza infindável para o leitor mais atento.
No fim compreende-se perfeitamente o porquê deste título e apercebemo-nos que ao longo de todo o livro o autor e o narrador explicavam-nos a essência da 'propriedade transitória' deste mundo.
(31 de Maio de 2007)

sexta-feira


O livro é constituído por três partes, três textos que não são mais do que discursos que o autor apresentou em conferências.
O primeiro texto refere-se aquando de uma conferência a 23 de Janeiro de 2002, onde Amos Oz começa a explicar o porquê de ele ser um especialista em fanatismo, dizendo mesmo que "A minha pópria infância em Jerusalém tornou-me especialista em fanatismo comparado" (pág. 9). Depois começa a caracterizar o 'fanático' e qual a melhor estratégia para lutar contra o fanatismo/fanático, ou mesmo a melhor estratégia para o 'conter um pouco'.
O segundo texto refere-se ao conflito palestiniano-israelita. Os 'porquês', os 'onde' e os 'quandos' desta luta por um país - a Palestina. Chegando mesmo a propor uma solução para o fim deste conflito, mas sem deixar de referir quais as consequências que esta 'solução' teria.
No terceiro e último texto (conferência de 17 de Janeiro de 2002), o escritor explica porque é que se tornou escritor - "(...) por causa da pobreza, da solidão e dos gelados (...)". :-)
(24 de Maio de 2007)

terça-feira


Souad tinha dezassete anos e estava apaixonada. Na sua aldeia da Cisjordânia, como em tantas outras, o amor antes do casamento era sinónimo de morte.
Tendo ficado grávida, um cunhado é encarregado de executar a sentença: regá-la com gasolina e chegar-lhe fogo. Terrivelmente queimada, Souad sobrevive por milagre. No hospital, para onde a levam e onde se recusam a tratá-la, a própria mãe tenta assassiná-la.
Hoje, muitos anos depois, Souad decide falar em nome das mulheres que, por motivos idênticos aos seus, ainda arriscam a vida. Para o fazer, para contar ao mundo a barbaridade desta prática, ela corre diariamente sérios perigos, uma vez que o "atentado" à honra da sua família é um "crime" que ainda não prescreveu.
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Devo dizer que demorei a pegar neste livro, mas mal peguei nele simplesmente devorei-o! Não estava à espera deste tipo de escrita. Se calhar esperava uma história mais romanceada, mais 'soft on the edges', não uma escrita directa, rápida de se assimilar, quase com se de uma conversa frente a frente com a autora se tratasse.
É incrível o que o ser humano pode suportar em termos de agressões físicas e psicológicas. Para mim é impensável que uma mulher tenha passado por tantas torturas e cueldades inflingidas por outros 'seres humanos', sendo estas mesmas crueldades justificadas com a 'tradição'.
Excerto: "Eu não assisti porque não tinha o direito de estar com eles.Nem sequer devia dizer «Eu não tinha o direito», porque tal coisa não existe. É a tradição, é assim e pronto. Se o teu pai te disser «Não saias desse canto a vida inteira», tu ficas nesse canto toda a vida. Se o teu pai te puser uma azeitona no prato e te disser «Hoje não comes mais nada», tu não comes mais nada. É muito difícil abandonar essa pele de escrava consentida, porque se nasce com ela quando se é rapariga e, durante toda a infância essa forma de não-existência, de obedecer ao homem e à sua lei, é cultivada ininterruptamente, pelo pai, pela mãe, pelo irmão, e a única saída, que consiste em casar, vai perpetuá-la com o marido.
(...)Não havia aniversários nem fotografias, era uma vida mesquinha de um animalzinho que come, que trabalha o mais depressa possível, que dorme e que apanha pancada."
Dizer mais o quê, depois deste excerto? Só mesmo lendo o livro!
(22 de Maio de 2007)

domingo


'Na minha morte' é a história às vezes cómica, à vezes grotesca do esforço decidido de uma humilde família rural para cumprir a promessa que o pai fez à esposa moribunda: Addie Bundren deseja ser enterrada junto à sua família, a cerca de 80 quilómetros de onde mora. Esta viagem, atrasada pelas inundações e pelo fogo e seguida por uma crescente nuvem de moscardos, demora nove dias.
Durante toda a sua absurda e quixotesca prova, os membros da família demonstram um profundo respeito pelo desejo da mãe, mas também eles têm os seus próprios desejos e talvez os possam satisfazer nesta oportunidade de visita à cidade.
Recorrendo ao monólogo interior e alternado de quinze narradorescom vários grau sde coerência e intensidade emocional, William
Faulkner explora aqui com grande intensidade a natureza da dor, da comunidade e da família.

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A história é relatada pelas personagens, sendo o livro apresentado sob a forma de pequenos relatos sobre o que aconteceu, sob os mais diversos pontos de vista.
Ao longo do livro vêem-se acontecer os mais diversos infortúnios a esta família, que no início, pensamos que apenas estão a fazer esta dura e longa viagem para respeitar o desejo a falecida mãe da família Bundren.
No entanto, vai-se lentamente descobrindo que esta viagem tem um outro propósito, uma finalidade muito mais egoísta e individualista do que poderíamos pensar!

(20 de Maio de 2007)

terça-feira


'Não há dúvida que ler Ruth Rendell é um acto sempre cheio de surpresas. "A Mulher com Véu", romance em que através do inspector Wexford a autora faz passar múltiplos fios que se cruzam, é mais uma vez uma história ao mesmo tempo sombria, emocionante e certeira, que se lê apaixonadamente.
De Ruth Rendell a Caminho de Bolso já publicou os notáveis livros que são "A árvore das Mãos", "Um Bando de Corvos", "Carne Eléctrica" e "Boneca Assassina".'
"(...) podia ter morto sem motivação, ou sem o género de motivação que seria compreensível para um homem racional. Por exemplo, supondo que não encontrara um cadáver e julgara que era o da sua mãe, mas sim que vira uma mulher que lhe lembrara a mãe nos seus piores aspectos e por essa razão matara."
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Gwen Robson, a vítima, tratava-se de uma mulherzinha sem escrúpulos, interesseira e chantagista. Tendo por isso, supostamente, muitos inimigos- quase toda a população!
Após um normal dia da semana em que Gwen se dirigira ao centro comercial, esta aparece brutalmente assassinada no parque de estacionamento do mesmo, estando o seu corpo oculto por uma mortalha suja de veludo castanho. Mas afinal quem era a mulher jovem 'bem vestida' que tinha sido vista a falar com a vítima momentos antes de ter sido assassinada?
A investigar este estranho caso estão os detectives Burden e Wexford. Mas logo no início da investigação Wexford torna-se uma vítima de uma bomba que estava no carro da sua filha. Apesar de escapar com vida, mas com bastantes ferimentos, é Wexford que no fim desvenda toda a motivação deste horrendo crime e o verdadeiro assassino.
Por seu lado, o detective Burden considera como principal suspeito um homem que foi visto a fugir apressadamente do local do assassínio (Clifford Sanders). Clifford é um homem adulto mas que se veste e que se comporta como um adolescente da década de 50. Clifford tem uma mãe demasiado protectora (ao nível da asfixia), a qual tem, além de um passado muito mal explicado, muito mais a esconder e proteger do que o que demonstra inicialmente. Uma relação mãe-filho completamente anormal, em que a mãe não ama o seu filho e este apenas odeia profundamente a sua mãe.
Excerto:
"Tinham estado a sair peões, esporadicamente, desde que Archie ali se sentara às quatro horas. A sua respiração embaciara o vidro e ele limpou-o com a manga do casaco, afastando o braço a tempo de ver alguém sair pelos portões a correr. Era um homem novo- um rapaz para ele-, de mãos vazias, correndo como se todos os demónios do Inferno fossem atrás de si.
(...) a mulher reapareceu, caminhando agora de um modo sorrateiro e decidido de um gato rumo à presa.
Quando chegou aos portões, agarrou-os (...) parecia só agora ter tomado consciência de que o cadeado estava fechado e ela não tinha a chave para o abrir, e começou a sacudir os portões. Os seus olhos não estavam postos nele, mas sim na cabine telefónica, que se encontrava apenas a alguns metros de distância, mas arreliadoramente, do lado de fora dos portões.
(...) -Tenho de telefonar à polícia! Está ali uma pessoa morta. tenho de telefonar à polícia... está ali uma mulher a quem tentaram cortar a cabeça!"
(15 de Maio de 2007)

quarta-feira


"Uma obra-prima de humor e observação.A chegada do nacional-socialismo a uma aldeia perdida e tranquila. Um pequeno mundo que, por acidente, desperta e descobre que Deus ali dormia.
Tradução da versão francesa por José Saramago."
"Se Deus também dorme, se tem, por vezes, de procurar a calma e o repouso, é aqui que o pode encontrar, neste canto perdido da terra masuriana."
Tudo se inicia com uma morte de causas suspeitas na eterna calmaria de Maulen. Após este acontecimento dá-se uma torrente de acontecimentos: a chegada de um novo gendarme (Thiele), com a sua filha, decidido a restabelecer a ordem e a descobrir o suposto autor do suposto assassínio; a suspeita de um negro segredo que o filho ( Alfred) do chefe local (Leberecht) possui, ...
A tudo isto se adiciona a chegada dos ideais do nacional-socialismo.

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Este um livro que foi uma excelente surpresa! Não conhecia o autor e nunca tinha lido nada dele, por isso não sabia bem o que esperar.

Após ler as primeiras páginas pensei - "Ai que vai ser um livro de espionagem nazi e eu não gosto nada de livros de espionagem". Mas depois das primeiras 100 páginas a leitura começou a ser muito mais agradável com novas surpresas ao virar de cada página. Escusado será dizer que gostei muito deste livro. E penso que se toda a gente lhe der uma oportunidade, verá que se trata de uma excelente leitura.

É que este livro tem de tudo: romance, intriga, mistério, um pitada de policial...É só ler este pequeno excerto a respeito da investigação de um suposto assassinato na localidade de Maulen:

"(...) De uma maneira ou de outra, é preciso cortar estes laços sufocantes. Não há outra solução para mim, para nós. Por minha vez, peço-lhe o seu auxílio. Está pronto a cumprir a sua promessa? Dê-me o nome do culpado.

- Negociemos primeiro -disse Leberecht, tentando sorrir.- Ou antes: conceda-me um favor que compensará o serviço prestado.

-Um favor?(...)

- E se eu aceitar?

- Pouco depois, a pessoa que matou Materna apresentar-se-á em sua casa, prometo-lhe. Ela lhe dirá tudo o que quer saber. E se, depois disso, o senhor persistir na sua intenção de levar o caso até ao fim, terá toda a liberdade de agir.(...)"

Um livro a ler até ao fim!

(9/05/07)

terça-feira


Augusto Abelaira publicou o seu primeiro romance em 1959, aos 33 anos. Hoje, decorrido quase meio século, "A Cidade das Flores" continua a ser reeditada sem nada perder da enorme força da sua mensagem.
Embora para poder escapar à censura salazarista o autor tenha situado a acção em Florença, num sistema político datado - a Itália dos anos 30.
Escrita num registo muito próximo do teatro, ou até do cinema, a sua construção é admiravelmente moderna. O enredo encena as vidas de um grupo de jovens que luta pelos seus ideais e se debate com as inevitáveis contradições entre os seus impulsos juvenis e as limitações impostas pelo governo de Mussolini. A tomada de consciência de cada um dos protagonistas é, assim, delicada, pura e heróica, como só nessa idade é possível, por vezes com uma carga verdadeiramente trágica, mas nunca deixando de irradiar o esplendor renascentista da cidade onde vivem.
O amor, a arte, a amizade, o valor da intervenção, da luta política, a solidariedade são temas que atravessam todo este romance.
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Sabem quando estão a ler alguma passagem de um livro e entendem perfeitamente aquilo que o autor quis dizer?
Quando conseguem assimilar toda a grandeza das suas palavras?
Pois isto aconteceu comigo num diálogo entre duas personagens femininas (páginas 68 a 70).
(1 de Maio de 2007)